Tão cedo comecei este blog, dissertei um pouco sobre as motivações de Link para encarar suas aventuras – de fato, foi este mesmo post, originalmente um comentário meu no site Zelda Dungeon, que me fez querer criar o blog. Sem dúvida a série The Legend of Zelda é uma das minhas favoritas e, com o novo título Breath of the Wild (Nintendo, 2017) saindo do forno, achei que seria interessante falar um pouco sobre esta franquia que estimula minha imaginação – e do mundo todo – há três décadas.
Acho que todo fã de Zelda já conhece as raízes da série e as memórias que conduziram Shigeru Miyamoto na criação da primeira aventura do Herói do Tempo. O brilhante designer cavou fundo nas lembranças da sua infância na zona rural de Kyoto, quando explorava os bosques, campos e cavernas da área, e buscou transmitir no videogame os mesmos sentimentos de descoberta e entusiasmo de suas próprias aventuras.
“Quando eu era uma criança,” conta Miyamoto, “fui caminhando pela floresta e encontrei um lago. Foi uma surpresa para mim dar de cara com aquele lago. Quando já era mais velho, viajei por todo o país sem um mapa, tentando encontrar o meu caminho, e fui descobrindo coisas incríveis e percebendo como era encarar uma aventura assim.”
Some a isso a odisseia do jovem Link – inspirada por tantas narrativas fantásticas – e você tem a base para uma franquia de videogames como nenhuma outra. Breath of the Wild traz de volta para primeiro plano o conceito de mundo aberto como foi experimentado no primeiro jogo, provando que, por baixo dos gráficos modernos e do mundo tridimensional, ainda sobrevive a mesma aventura da infância que Miyamoto apresentou em 1986.

E o que faz com que esta aventura continue cativante e relevante, mesmo depois de tantas iterações, não é só o padrão excepcional de qualidade de The Legend of Zelda, mas nossa relação pessoal com o protagonista. Link mudou muito desde que era só um punhado de pixels mas, diferente de tantos outros heróis que caíram no esquecimento (tipo Alex Kidd), o jovem hylian continua um dos personagens mais reconhecidos do mundo dos games.
“O fascinante sobre Link é que, em comparação com o rico backdrop do universo de Zelda, ele é talvez o personagem menos tridimensional”, afirma o jornalista Ryan Lambie. “Ao longo dos anos, os criadores dos jogos constantemente apresentaram novas pessoas a Link – muitas deliciosamente excêntricas, más ou sinistras. Lembrando 25 anos de jogos Zelda, personagens como Ganon, Tingle, Linebeck e até a própria Zelda imediatamente vêm à mente. Comparado com estas personalidades cheias de vida, o calado Link parece meio insignificante.”
Mas insignificante ele não é. A decisão de manter o Herói do Tempo mudo – sem expressar suas próprias opiniões – permite que o jogador imerja na história e se deixe imaginar ser o próprio Link, além disto, ele é o oposto do brutamontes típico dos videogames, sendo assim, muito mais próximo da nossa realidade e mais fácil de criarmos uma relação. Link é o herói improvável e representa nossos olhos e ouvidos em suas várias aventuras, independentemente da forma que assuma – seja o sprite de 16 pixels de altura do primeiro Legend of Zelda, o rapaz semi realista de Twilight Princess (Nintendo, 2006) ou o herói cartunesco de Breath of the Wild.
Na minha opinião, a beleza da série The Legend of Zelda reside nessa conexão que transcende as barreiras gráficas e tecnológicas, e nos faz sentir parte daquele mundo, que está sempre em mudança.
Engraçado pensar que todo jogo Zelda carrega a mesma personalidade independente do quão diferente eles pareçam – o primeiro game da série foi criado respeitando as limitações do hardware do NES mas, ainda assim, a equipe conseguiu criar um mundo e um protagonista com visual tão icônico que permaneceu imutável nos últimos 30 anos. Isto é, até o novo título da série, que mostra o jovem hylian vestindo um uniforme azul até mesmo na caixa do jogo! A clássica túnica verde, no entanto, cumprirá um papel ainda não revelado:
Divaguei mas, voltando ao assunto, o personagem mudou pouco mas o mundo que o cerca esteve em constante evolução ao longo das décadas. Visto de uma perspectiva de cima para baixo, o primeiro Legend of Zelda parecia uma janela para um mundo em miniatura; imaginar o impacto daquele pequeno universo em 1986, sem ter presenciado o lançamento, pode ser um tanto complicado, mas é inegável que Shigeru Miyamoto criou um dos títulos mais influentes da época.
A Link to the Past (Nintendo, 1991) manteve a mesma perspectiva mas levou a qualidade gráfica e ambiência a um novo patamar. Se os gráficos dos dois primeiros jogos eram meramente funcionais, o poderio do Super Nintendo permitiu que os desenvolvedores criassem uma atmosfera e emoção genuínas na série pela primeira vez.
“Link é provido de personalidade pela primeira vez, com seu design mais detalhado e animação que concede a impressão de um jovem herói, corajoso e valente, perdido em um mundo mágico.”
Se você tem idade suficiente, deve lembrar quão incrível foi ver Ocarina of Time pela primeira vez, em 1998. Meus olhos brilhavam com a descoberta daquele novo universo… era ainda mais excitante que Super Mario 64 (Nintendo, 1996). A transição para o tridimensional fez com que Hyrule ficasse maior do que tudo que já tínhamos visto antes, um mundo cheio de vida, cheio de novas ideias*, e tudo integrado tão perfeitamente – falo sobre isto daqui a pouco – que se tornou um marco no desenvolvimento de games.
*A Nintendo chegou a usar motion capture, uma tecnologia nova na época, para dar vida aos movimentos do protagonista. Não ficou perfeito, mas foi um bom começo.
Lembro também da primeira vez que vi Wind Waker (Nintendo, 2002), recebido com uma boa dose de estranheza, já que eu (e o mundo todo) esperava uma evolução óbvia de Ocarina of Time. Mas sabe que, no final das contas, a estética adotada em Wind Waker provou-se ser a mais longeva, porque sua versão em alta definição no Wii U é tão bonita e contemporânea quanto o jogo original uma década antes.
Lançado em 2006, Twilight Princess foi no caminho oposto de seu antecessor e chegou com o visual que os fãs de Ocarina of Time esperavam; o jogo é sombrio, mais realista, e claramente pensado para agradar o público ocidental. O equilíbrio perfeito, na minha opinião, vem com a sinergia das duas abordagens visuais, em Skyward Sword e agora em Breath of the Wild… mantém-se um nível de realismo mas temperado com cores saturadas e uma estética que bebe na fonte de A Link to the Past, como um resgate daquele “mundo mágico” que ficou tímido em Twilight.
A franquia Zelda está tão enraizada na cultura gamer que, às vezes, acabamos esquecendo de quão inovadora ela sempre foi. Desde sua criação, a série sempre esteve à frente de seu tempo e introduzindo novos conceitos, como o uso de um chip adicional e uma bateria para salvar o jogo dentro do próprio cartucho – algo que, na época, era exclusivo dos PCs e seus disquetes. Isto permitiu que os desenvolvedores criassem novas experiências de jogo mais imersivas e duradouras, muito além dos games curtos e frenéticos comuns nos anos 80.
Mais do que nenhuma outra IP da Nintendo, os jogos do Herói do Tempo também costumam levar o poder de fogo dos consoles ao limite. A Link to the Past (Nintendo, 1991), por exemplo, vinha em um cartucho de 8 Mbit, literalmente o dobro da capacidade de um cartucho de Super Nintendo comum. O clássico Ocarina of Time, por sua vez, ostentava incríveis 256 Mbit**!
Ocarina apresentou mais algumas inovações que mudaram a maneira como os games são desenvolvidos, como, por exemplo, o Z-Targeting, o revolucionário sistema que trava o olhar do personagem no alvo, como inimigos e objetos do cenário, que tornou-se padrão na interação dos jogos tridimensionais em suas diversas variações; além disto, a Nintendo aperfeiçoou tanto a câmera do jogo (em relação até com Super Mario 64, que ditou as regras de como um ambiente 3D deve ser) que, mesmo duas décadas depois, é impressionante ver que ela parece sempre posicionada da melhor maneira possível; mais uma inovação no clássico Ocarina of Time se chama Context-sensitive Control, que muda a função do botão A de acordo com a necessidade – abrir baús, falar com personagens, atacar, subir no cavalo, etc., tornando executar as ações algo natural para o jogador e eliminando a necessidade de um sem-número de botões no controle (e olha que o controle do N64 tem vários).
**Outros jogos do Nintendo 64 também chegaram à marca de 256 Mbit, mas o cartucho com maior tamanho, disparado, foi Resident Evil 2 com insanos 512 Mbit.
Vendo a reação das pessoas à beira do lançamento de Breath of the Wild, fica claro que a série The Legend of Zelda consegue manter, título após título, o mesmo sentimento de excitação, e vontade de explorar e descobrir seus segredos. Ele te convida a imergir naquele mundo maravilhoso e cheio de vida, fazendo-lhe sentir-se o próprio herói de orelhas pontudas. Zelda foi um conceito que morou por muito tempo no coração de Shigeru Miyamoto e ele soube (e ainda sabe) transformar em, como o próprio designer afirmou, “um jardim em miniatura que [os jogadores] podem guardar na gaveta,” criado para que o jogador explore e viva suas próprias histórias.